Pesquisadores treinam resgate de DNA e transplante de plantas nativas para reflorestar áreas atingidas pelas enchentes
Projeto Reflora une Estado, academia e setor privado e também busca preservar a diversidade genética de espécies nativas
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O projeto Reflora iniciou, nesta quinta-feira (21/8), o treinamento prático de coleta e enxertia de material genético de plantas nativas no Centro Estadual de Diagnóstico e Pesquisa Florestal (Ceflor), em Santa Maria, vinculado a Secretaria da Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação (Seapi). A ação, que reuniu 28 pesquisadores e técnicos, integra a estratégia de recomposição das áreas afetadas pelas enchentes de 2024 no Rio Grande do Sul. O projeto, uma iniciativa do governo do Estado, busca, ainda, preservar a diversidade genética de espécies nativas e acelerar o processo de reflorestamento.
A técnica aplicada envolve quatro etapas: coleta de material genético de plantas saudáveis, conexão de dois ramos ou galhos (enxertia), indução ao florescimento precoce e plantio das mudas no meio ambiente. O processo encurta significativamente o tempo de restauração dos ecossistemas — de 20 a 30 anos para um período estimado entre cinco e oito anos. Além disso, possibilita preservar o DNA de espécies ameaçadas e ampliar a variabilidade genética, considerada essencial para a resiliência das florestas.
Iniciativa é inédita no Estado
“Trata-se de uma iniciativa inédita no Rio Grande do Sul. Ao contrário da seleção de melhores exemplares, usada na produção de madeira e na criação animal, por exemplo, aqui o objetivo é ampliar a diversidade genética, tanto de mudas quanto de sementes”, explica o coordenador do projeto pela Seapi e responsável pelo Plano ABC+ RS, Jackson Brilhante. Ele acrescenta que a diversidade genética aumenta a capacidade de adaptação das espécies e pode gerar benefícios ecológicos e econômicos, como o povoamento de pomares e o cultivo de árvores frutíferas em áreas reflorestadas.
O Reflora é coordenado pelas secretarias da Agricultura e do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema), com participação da empresa chilena CMPC e da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii). Também integram o projeto a Universidade Federal de Viçosa (UFV), a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), a Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Processo aposta na diversidade genética
O coordenador operacional do projeto pela UFV, Diego Balestrin, destaca que o trabalho de campo exige rigor científico e precisão na execução. Além de detalhar os objetivos do projeto, enfatiza que o material genético é coletado em plantas matrizes, identificado com códigos pelas universidades para garantir rastreabilidade e armazenado em câmara úmida.
As amostras são transportadas em caixas térmicas com gelo, a fim de preservar a qualidade, até chegarem aos viveiros, onde ocorre a enxertia e o florescimento. Balestrin ressalta que o projeto tem essas prioridades iniciais, mas pode desenvolver outros desdobramentos durante sua implementação.
Em Santa Maria, foram coletadas amostras de louro-pardo, cedro, ipê-roxo, cerejeira-do-mato, entre outras espécies. Na sequência, realizou-se a fusão dos tecidos no Ceflor, permitindo a circulação de seiva entre as duas partes da planta. “O objetivo é evitar a coleta repetida de árvores semelhantes, ampliando a variabilidade genética e reduzindo o risco de endogamia — como primo casando com primo, que tem maior chance de gerar problema genético”, exemplifica Balestrin.
Outro aspecto relevante na coleta é a idade dos galhos. “Quanto mais alto um ramo está na árvore, mais adulto ele é”, observa Guilherme Bravim, integrante da equipe técnica da UFV. “O projeto foi criado devido ao risco de morte e extinção de árvores após a tragédia em Brumadinho, em 2019. Algo muito semelhante ocorreu no RS em 2024, com a enchente histórica”, acrescenta. Após essas etapas, as plantas permanecem no viveiro por cerca de seis meses até o florescimento.
O mesmo treinamento foi realizado no dia 19 de agosto, no Centro de Pesquisas e Conservação da Natureza Pró-Mata, em São Francisco de Paula. O plano de ação prevê o plantio de mais de seis mil mudas de 30 espécies florestais nativas, cultivadas a partir de técnicas de preservação genética.
Parceria e inovação
O engenheiro florestal Juarez Pedroso Filho, representante da Associação dos Fumicultores do Brasil (Afubra), avaliou a capacitação e o intercâmbio como fundamentais. “Temos 40 anos de experiência em viveiro florestal. Buscamos auxiliar os pesquisadores e fortalecer a relação com o Estado. O Reflora é visto como promissor para restauração florestal e desenvolvimento de cadeias de sementes, auxiliando na recuperação de áreas degradadas pelas enchentes”, afirma.
“Esse projeto surge em um momento crucial, em que o Rio Grande do Sul ainda enfrenta as consequências dos eventos climáticos extremos. A integração com as instituições de ensino permite benefícios múltiplos, tanto na divulgação da produção científica quanto para os alunos, ao proporcionar novas oportunidades de formação técnica e científica”, salienta o professor e coordenador do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Florestal da UFSM, Jorge Antonio de Farias.
Com duração prevista de três anos, o Reflora contará com investimento de R$ 5,21 milhões — sendo R$ 2,86 milhões aportados pela CMPC e R$ 2,34 milhões pela Embrapii. Os recursos serão aplicados em estruturas físicas, serviços de coleta, insumos e bolsas de pesquisa.
Texto: Elstor Hanzen/ Ascom Seaipi
Edição: Secom