Artigo: Crise e déficit zero, por Tarso Genro
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É muito comum ouvir-se falar, de forma recorrente e intermitente, na crise financeira do nosso Estado. A partir da fórmula crise são tiradas conclusões taxativas do que os governos fazem ou fizeram a respeito dela. Daí derivam as recomendações de arrocho fiscal, contenção radical dos gastos correntes, luta contra o desperdício, arrocho salarial.... As receitas conhecidas que, isoladas de um contexto de crescimento e geração de renda, não deram certo em parte nenhuma.
Crise, como ensina o Gianfranco Pasquino, no clássico dicionário Bobbio, caracteriza-se por ser um momento de ruptura, subitaneidade e imprevisibilidade. Virada de improviso e não previsão completam o quadro que caracteriza uma crise. Só acredita que esta antiga situação, que o Estado atravessa há 30 anos, é uma crise, quem acreditava que o simples déficit zero - contenção de gastos sociais, arrocho e ausência de investimentos em setores básicos - iria resolver os problemas do financiamento do nosso desenvolvimento. Só acredita em crise quem acreditava nos remédios tradicionais que foram aplicados para superar a suposta crise.
Se verdadeiramente estivéssemos numa simples crise algumas dessas medidas, devidamente combinadas e limitadas no tempo, poderiam até surtir algum efeito duradouro. Mas a situação financeira do Estado não é de crise. É de desordem financeira estrutural, que não só não é imprevisível como não causou - como é característica de uma crise- uma ruptura num sistema estável imediatamente anterior. Na situação atual, muito pior do que uma crise - um longo e profundo ciclo de desajustes - o Estado, inclusive por não cumprir de maneira razoável as suas funções públicas, sequer tem legitimidade para propor sacrifícios a quem quer que seja, o que é natural ocorrer quando se está perante uma situação imprevista, derivada de fatores aparentemente desconhecidos.
A origem desta situação estrutural está ancorada em dois diferentes níveis: um, de caráter nacional, a desordem tributária do país que obriga a uma guerra fiscal suja, sem limites; outro, de caráter regional, previsível e evitável, a dívida judiciária acumulada por decisões insensatas de gestores públicos, fator que é aliado da dívida estrutural, que é paga à União, calcada nos últimos 40 anos de relações federativas desajustadas.
Ao longo dos debates eleitorais, contra a opinião de vários cronistas econômicos e políticos respeitáveis, manifestamos o nosso ceticismo em relação à fantasiosa fórmula do déficit zero, mantra dos neoliberais no Estado. Eles entendiam que, a partir do sucesso desta política, sairíamos da crise, pois pensavam mesmo que se tratava de uma simples crise. E que esta seria resolvida com medidas de corte em gastos sociais e com a postura de não gastar mais do que se arrecada. Resultado: o Estado enfrenta mais dívidas monetárias e sociais do que antes.
Por isso estamos reiterando, no governo, o que dizíamos como candidato: racionalizar os gastos públicos, não cortar gastos sociais, arrecadar mais sem aumentar impostos, controlar os excessos salariais do topo e melhorar, gradativamente, a base; promover fortes políticas de crescimento, combinando políticas ortodoxas com ações heterodoxas, para estimular investimentos; aumentar a renda dos mais pobres pelo salário mínimo regional; buscar relações globais que valorizem as iniciativas dos nossos empreendedores locais, pequenos, médios e grandes, gerando emprego e renda. Todas, medidas de fundo que se articulam com um processo de concertação social, através de temas que possam coesionar os gaúchos - via CEDES - formando uma ampla base política e social de apoio, para enfrentar os novos desafios da produção, da produtividade e do emprego.
Na verdade, estamos tratando de políticas de sustentabilidade financeira do Estado. Não para sair de uma crise - de uma situação imprevista que pode ser resolvida num passe de mágica -, mas para construir políticas estratégicas viabilizadoras de um novo padrão de acumulação no RS. E, com isso, promover mais arrecadação e mais políticas sociais, mais crescimento com distribuição de renda, sem imediatismos paradisíacos. E sem prometer o fantasioso déficit zero. Mas reacendendo a iniciativa e a esperança de um Estado mais justo e de um povo mais feliz. Sem enganações. Só acredita que é mera crise o que nos assola quem acreditava em déficit zero.
Tarso Genro
Governador do Rio Grande do Sul