Para o Governo do Estado, projeto que libera as queimadas é um retrocesso
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A possibilidade de alteração da Constituição Estadual para que seja permitido o uso do fogo em práticas agropastoris ou florestais preocupa as autoridades gaúchas. Vários órgãos de governo estão alertando a Assembléia Legislativa sobre os perigos que esta medida representa. Para o Governo do Estado, a Proposta de Emenda Constitucional 119/2002, de autoria do deputado Francisco Áppio (PPB), significa um retrocesso na busca de uma agricultura sustentável, comprometendo as gerações futuras. Por 39 votos a favor e 8 contra, o Parlamento aprovou a PEC em primeiro turno, no dia 4 de junho deste ano, véspera do Dia Mundial do Meio Ambiente. A segunda votação está marcada para esta terça-feira (25). Atropelo à legislação A Secretaria Estadual da Agricultura e Abastecimento é contrária à PEC por entender que ela gera uma falsa expectativa quanto à liberação do uso do fogo na agricultura, incentivando esta prática de forma indiscriminada, atropelando a legislação em vigor. Esta também é a opinião do coronel Juarez Fernandes de Souza, comandante do Corpo de Bombeiros da Brigada Militar. Para ele, a proposta contraria a legislação prevencionista de incêndios. Ele alerta que é difícil controlar o fogo, que pode se alastrar com muita facilidade, dependendo das condições do tempo, da vegetação e dos ventos. De janeiro do ano passado até maio deste ano, foram registradas 3.846 situações de combate a queimadas. O coronel ressalta que essa cifra representa apenas 40% dos casos. Os bombeiros também alertam que o atendimento a este tipo de serviço é um dos que acarreta maior desgaste, tanto do homem quanto do equipamento, e que o Estado não dispõe de tecnologia adequada para o combate neste tipo de incidente. Acidentes rodoviários A fumaça decorrente da queima também atrapalha o tráfego nas rodovias, o que pode gerar acidentes e até mortes. Esta é outra questão apontada pela Polícia Rodoviária Estadual e pelo Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem. O Daer ainda argumenta que o uso do fogo próximo às estradas gera a destruição de taludes e de plantios de reposição florestal, uma das exigências ambientais para a construção das rodovias. Doenças respiratórias A Secretaria Estadual da Saúde (SES-RS) alerta que a terceira causa de óbitos e a primeira em internações hospitalares no Estado são as doenças respiratórias. A médica do trabalho Virgínia Dapper, da SES-RS, explica que essas enfermidades agravam-se com a poluição atmosférica provocada pela fumaça das queimadas, o que poderia aumentar o número de casos. Principalmente no inverno, quando todos os moradores dos municípios onde a queimada é feita indiscriminadamente sofrem com o cheiro da fumaça. Blecautes As queimadas ainda provocam blecautes nas áreas rural e urbana. Causam prejuízos ao sistema elétrico quando atingem as torres e linhas de transmissão de energia, infra-estrutura que faz o transporte da energia em grandes blocos a todas as regiões do Estado. No Rio Grande do Sul, a CEEE possui 5,5 mil quilômetros de linhas de transmissão. Segundo a empresa, as queimadas são uma das causas de desligamento de energia mais perversas que existem, uma vez que o fogo ioniza o ar ao redor das linhas, causando curtos circuitos e interrompendo o fornecimento de energia elétrica. E quando isso acontece, o trabalho de identificação do problema e a conseqüente recuperação da linha, na maioria das vezes, é demorado. Pelos dados da Companhia, entre o desligamento e o restabelecimento da energia decorrem, em média, 10 horas de trabalho. Entre os registros da CEEE, no dia 5 de janeiro de 2001, uma queimada atingiu a Linha de Transmissão Santa Marta-Lagoa Vermelha e deixou a região de Lagoa Vermelha sem energia por 10 horas e 30 minutos. Outro caso registrado na CEEE, em 30 de janeiro de 1994, na Linha de Transmissão Taquara-Osório, interrompeu o fornecimento por 11 horas e 30 minutos. Biodiversidade destruída Se as queimadas podem atingir diretamente a vida da população gaúcha, a natureza então, sofre com mais intensidade. A Secretaria Estadual do Meio Ambiente lembra que as queimadas diminuem a matéria orgânica e a fertilidade do solo; comprometem a biodiversidade porque destróem espécies vegetais alimentícias e pequenos animais; diminuem a infiltração do solo, pois deixam-no mais compacto; aumentam a erosão do solo; matam as plantas produtoras de néctar e ainda diminuem a possibilidade de desenvolvimento de ecoturismo. Além do impacto regional, o fogo agrava o efeito estufa. Práticas alternativas Ao invés desta prática, há muito tempo condenada por estudiosos e ambientalistas, alguns programas do Governo do Estado têm disponibilizado recursos com baixo custo financeiro e até a fundo perdido para recuperar o solo e a vida da paisagem agrícola. Entre algumas alternativas estão: adubação verde, equipamentos para roçadas, adubação orgânica e reciclagem de resíduo e cercas para manejo de campo. Os técnicos salientam que já está comprovado cientificamente que as roças e a melhor divisão do campo resultam em aumento da fertilidade do solo, aumento da produtividade e menores custos no médio e no longo prazo para o agricultor, além de gerar mais oportunidades de trabalho. A SAA vem incentivando a adoção de práticas de uso e conservação do solo que evitam as queimadas. O trabalho desenvolvido pela Emater/RS vem orientando os agricultores no sentido de buscar alternativas como, por exemplo, a introdução de espécies de pastagens melhoradas através da semeadura direta, correção da acidez e fertilidade do solo, prática de roçada para limpeza do campo e manejo das pastagens com pastoreio rotativo. Recursos a fundo perdido Através do Programa RS-Rural, 44,3 mil famílias receberam R$ 31,8 milhões em recursos a fundo perdido para manejo e conservação dos recursos naturais em todo o Estado do Rio Grande do Sul. Dentre as principais ações financiadas, destacam-se 29 mil famílias que investiram em adubação verde, duas mil famílias que tiveram acesso a 921 máquinas e equipamentos para plantio direto. Dentre os resultados obtidos, destacam-se 191 mil hectares em recuperação da fertilidade do solo, 10 mil hectares em recuperação de áreas degradadas e em torno de 100 mil hectares cultivados com adubação verde. O Programa Troca-Troca de Sementes ofereceu sementes de espécies forrageiras a mais de 4,5 mil famílias em 64 municípios, visando garantir a fertilidade do solo em regiões atingidas pela estiagem. Os financiamentos do Banco do Estado do Rio Grande do Sul já disponibilizaram R$ 36,8 milhões em custeio e investimentos voltados à cobertura de solo. Estas ações garantem uma posição de pioneirismo no Rio Grande do Sul no desenvolvimento da agricultura com respeito ao meio ambiente.