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Linguagens artísticas mobilizam emoções para o resgate da memória e da verdade

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PORTO ALEGRE, RS, BRASIL, 03.04.14: Painel: Linguagens Artísticas e Pedagogia da Memória: experiências. Com a fala, a diretora de exposições do Museo de La Memória, no Chile, Maria José Bunster. Foto: Manuella Brandolff/Especial Palácio Piratini
Maria José Bunster, diretora de exposições do Museo de La Memória do Chile, foi uma das painelistas - Foto: Manuella Brandolff/Especial Palácio Piratini

“Faço parte de uma geração perdida, somos filhos de pais que foram presos, desaparecidos; vi meu pai ser encapuçado, seqüestrado, depois torturado; vi chilenos que tiveram de fugir para permanecer vivos e morreram longe de nosso país, sem poder voltar; há chilenos que até hoje estão parados no tempo, em 1973. Estou falando por todos os chilenos perdidos pelo mundo, a memória é a única coisa que nos mantém vivos”. Esse foi o relato sentido e emocionado de Alex Oyarzo, 48 anos, que há 26 anos mora em Porto Alegre. Ele acompanhou, na manhã desta quinta-feira (2), o painel “Linguagens Artísticas e Pedagogia da Memória: Experiências”, na programação da Semana da Democracia.

Oyarzo foi imediatamente convidado pela diretora de exposições do Museo de La Memóriado Chile, Maria José Bunster, a enviar seu depoimento de exilado para um projeto de memórias do exílio da instituição: “Isso nos sensibiliza, porque o exílio é um tema sobre o qual quase não se fala”, afirmou a diretora e painelista. Sobre o tema do debate, ela considera que a arte, como forma de expressar o que aconteceu nos anos de ditadura, ao mobilizar as emoções das pessoas faz com elas se conectem com aqueles acontecimentos, reflitam e adquiram consciência sobre ele.

O Museo de La Memória, em Santiago, explicou Maria José, “não é um museu de arte, mas sem dúvida é um espaço onde a arte e o imaginário visual cumprem um papel fundamental na representação dos traumas coletivos”. O prédio, imponente, moderno, foi construído a partir do projeto de um escritório brasileiro, o Estúdio América, que venceu um concurso internacional. Sua implantação foi uma recomendação dos Informes da Verdade, como uma das medidas de reparação às vítimas da ditadura de Augusto Pinochet.

Perseguição aos livros
A ferocidade da repressão não se abateu apenas contras pessoas, como mostrou o também chileno Ramón Castillo, curador e diretor da Faculdade de Artes da Universidade Diego Portales. Os livros também sofreram uma brutal perseguição dos militares chilenos e hoje, segundo ele, são um luxo no país, caríssimos e pouco acessíveis. No entanto, no governo de Salvador Allende, em apenas 38 meses foram impressos 11 milhões de livros, de literatura universal a obras de política e ciências sociais, para uma população de 9 milhões de habitantes.

“O livro atualmente se converteu num objeto de luxo, mas antes era um objeto comum, que fazia parte do cotidiano das pessoas”, conta. Registros fotográficos impressionantes, de logo após o golpe de 11 de setembro de 1973, mostram militares fazendo enormes fogueiras com livros que eram recolhidos de casa em casa,em Santiago. Muitaspessoas se arriscaram escondendo ou enterrando suas obras.

Para denunciar essa face da repressão, foi criada na universidade uma grande exposição chamada Biblioteca Recuperada: Livros Queimados e Escondidos a 40 anos do Golpe, que tem Castillo como curador. A criação dos livros representou um salto civilizatório para a humanidade, a partir da invenção da imprensa por Gutenberg, ressalta Castillo: “Mas quando se destroem livros, quando se queimam livros, como no nazismo ou na ditadura chilena, se produz um retrocesso na civilização, é um retorno à barbárie”.

Monumento ao Nunca Mais
Já a artista plástica gaúcha Cristina Pozzobon relatou dois projetos relacionados com o tema da memória, verdade e justiça que desenvolve. Um deles, chamado Direito à Memória e à Verdade, faz uma exposição itinerante pelo Brasil de imagens sobre o período da ditadura militar brasileira, numa parceria com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e a Agência Livre para Informação, Cidadania e Educação (Alice). 

O outro trabalho é chamado Projeto Trilhas da Anistia, do Ministério da Justiça, que instala monumentos em locais do país que são marcantes nesse período da história brasileira. Já são 30 monumentos, denominados Monumento ao Nunca Mais, em várias cidades, 17 em praça pública. O último deles foi instalado nesta semana, no Teatro do Tuca,em São Paulo, onde ocorreu o primeiro congresso da luta pela anistia no Brasil.

Outro será inaugurado sábado (5), no Memorial do Rio Grande do Sul. Muitos homenageiam mortos e desaparecidos da ditadura militar, explicou Cristina, e seus familiares costumam comentar que os monumentos representam a própria presença da pessoa que desapareceu. É a presença da sua história ali naquele local: “O monumento traz de volta para os familiares dessas pessoas não só a memória daquele período, mas é como se fosse a própria expressão física dessas vítimas da ditadura”, disse a artista plástica.

Por sua vez, o diretor do Museu de Artes do Rio Grande do Sul (Margs) considerou que museus de história, instituições de memória e arquivos históricos precisam fazer “uma verdadeira revolução” para que estas instituições deixem de ser o lugar de uma narrativa congelada no século passado e passem a apresentar exposições vivas, dinâmicas e surpreendentes, em sintonia com o expectador contemporâneo. Também participou do painel o argentino Gonzalo Conte, que apresentou o projeto Topografia da Memória, que mapeou e disponibiliza virtualmente locais de detenção e centros clandestinos de detenção da ditadura militar.

Confira a programação da Semana da Democracia:

Dias 02 e 03 de abril

Conferência internacional – Memória, Direitos Humanos e Reparação: Políticas de Memória, Arquivos e Museus
Local: Arena montada no Memorial do Rio Grande do Sul/Museu dos Direitos Humanos do Mercosul , Praça da Alfândega.

Dia 02

9h – Abertura do evento
Participantes:
Tarso Genro - Governador do Estado do RS
Javier Miranda – Secretário de Direitos Humanos do Uruguai
Victor Abramovich – Secretário-Executivo do Instituto de Políticas em Direitos Humanos do Mercosul (IPPDH-Mercosul)

10h15 – Apresentação do Projeto Guia de Arquivos (IPPDH) - Jorge Vivar

11h – 13h – Painel Gestão de Arquivos e Memória da Repressão.
Palestrantes:
Graciela Jorge (Diretora da Secretaria de Direitos Humanos para o Passado Recente)
Jaime Antunes (Diretor do Arquivo Nacional, Brasil)
Ricardo Brodski (Diretor Museo de La Memória, Chile).

15h – 16h30 – Painel A Memória como Política de Estado.
Palestrantes:
Eduardo Jozami (Diretor Nacional do Centro Cultural de Memória Haroldo Conti, Argentina)
Gilles Gomes (Coordenador da Comissão de Mortos e Desaparecidos da SDH, Brasil)
Elbio Ferrario (Diretor do Museo de La Memória, Uruguai)

Dia 03

10h – 12h – Painel: Linguagens Artísticas e Pedagogia da Memória: Experiências.
Palestrantes:
Gaudêncio Fidélis (Diretor do Museu de Arte do Rio Grande do Sul, Brasil)
Maria José Bunster (Diretora de Exposições do Museo de La Memória, Chile)
Ramón Castillo Inostroza (Curador e Diretor da Faculdade de Artes da Universidad Diego Portales, Chile) 
Cristina Pozzobon (Artista Plástica do Rio Grande do Sul)

14h – 16h30 – Painel: Arquivos Orais e Testemunho.
Palestrantes:
Rejane Penna – Historiógrafa do Arquivo Histórico do RS. Doutora em História, coordenou pesquisas e publicou diversos trabalhos discutindo a utilização das fontes orais na construção histórica e na formação de acervos. É autora do livro “Fontes Orais e Historiografia: novas perspectivas ou falsos avanços”, pela Edipucrs.
Carla Rodeghero – Coordenadora do Núcleo de Pesquisa em História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Pesquisadora dos temas ditadura, anistia, história oral e memória.

18h30 – 20h – Painel: Os Marcos Internacionais da Reparação de Violações de Direitos Humanos.
Palestrantes:
Baltasar Garzón – Jurista espanhol. Responsável pela prisão do ditador Augusto Pinochet na Inglaterra. Atualmente é assessor do Tribunal Penal de Haia.
Mediadora: Juçara Dutra, Secretária de Justiça e Direitos Humanos do RS

Dias 04 a 05 de abril

Diálogos - ¨Do golpe a redemocratização: caminhos do Brasil¨.
Local: Arena montada no Memorial do Rio Grande do Sul/ Museu dos Direitos Humanos do Mercosul, Praça da Alfândega.

Dia 04

10h – 12h – Painel: De Jango ao Golpe.
Palestrantes:
Christopher Goulart – Neto do Presidente João Goulart
Juremir Machado da Silva – Jornalista, cronista e professor da Faculdade de Comunicação da Pontifícia Universidade Católica do RS.
Maria Celina D’Araújo – Professora de História da Pontifícia Universidade Católica do RJ.
Nadine Borges – Comissão da Verdade RJ. Advogada e Professora na Universidade Federal Fluminense, atualmente faz parte da Comissão Nacional da Verdade. Foi coordenadora da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP).
Pedro Simon – Senador da República e Ex-Governador do Estado do Rio Grande do Sul.
Mediadora: Mecedes Cànepa – Professora Doutora de Ciência Política da UFRGS e Conselheira do Cdes-RS.

14h – 17h – Painel: Ditadura, Democracia e Gênero.
Palestrantes:
Céli Regina Pinto – Professora de História na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Integra a Comissão Estadual da Verdade no RS. Desenvolve pesquisa na área de Ciência Política enfatizando temas como o feminismo.
Lilian Celiberti – Uruguaia, ativista dos Direitos Humanos, foi sequestrada junto com seus dois filhos em 1978 durante a Operação Condor.
Lícia Peres – Socióloga. Foi a primeira presidente do Movimento pela Anistia.
Soledad Muñoz – Abogada; Profesora de Derecho Internacional Público (Universidad Nacional de La Plata, UNLP); Miembra del Departamento de Derechos Humanos del Instituto de Relaciones Internacionales, (UNLP); Consultora externa del Instituto Interamericano de Derechos Humanos (IIDH).
Mediadora: Ariane Leitão – Secretária de Estado de Políticas para as Mulheres do RS.

18h – Apresentação de “Guri d’América”: Raul Elwanger

18h30 – 20h – Painel: Terrorismo de Estado
Palestrantes:
Rosa Roisinblit - Ativista argentina pelos direitos humanos e vice-presidente da Associação das Abuelas de Plaza de Mayo
Jimena Vicario - Neta de desaparecidos apropriados pelos militares argentinos
Franklin Martins – Jornalista. Atuou no movimento estudantil e fez parte do MR-8. Em 1969, fez parte da Ação Libertadora Nacional. Foi um dos mentores do sequestro do embaixador americano.
Mediador: Antônio Escostegy Castro – Advogado representante do Conselho Federal da OAB e Conselheiro do Cdes-RS.

Dia 05

10h – 12h – Painel: Ditadura, Resistência e Reparação.
Palestrantes:
Rodrigo Patto Sá Motta – Professor de História da Universidade Federal de Minas Gerais e atual Presidente da Associação Nacional de História (ANPUH)
Caroline Silveira Bauer – Historiadora, Professora de História da Universidade Federal de Pelotas e colunista da Revista Carta Maior. Seus estudos tem ênfase nas ditaduras latinoamericanas e temas correlatos.
Carlos Frederico Guazzelli - Advogado, presidente da Comissão da Verdade do RS
Mediador: Daniel Vieira Sebastiani – Professor de História, Diretor Nacional do Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz e Conselheiro do Cdes-RS.

14h – 18h – Painel: Golpe, Ditadura e Movimentos Culturais.
Palestrantes:
Silvio Tendler – Documentarista e cineasta. Conhecido como o cineasta dos “vencidos”.
Luis Augusto Fischer – Escritor e Professor da UFRGS
Nei Lisboa – Músico. Irmão mais novo de Luiz Eurico Tejera Lisbôa, primeiro desaparecido político brasileiro cujo corpo pôde ser localizado, no final dos anos 70.
Nelson Coelho de Castro – Cantor e compositor, vivenciou o cenário musical da época através dos festivais universitários, das Rodas de Som de Carlinhos Hartlieb e de apresentações na noite porto-alegrense.
Edgar Vasquez - Ilustrador, artista gráfico e cartunista.
Mediador: Márcio Tavares – Coordenador do Memorial do RS

18h – Exibição do documentário de Sílvio Tendler

Serão lançados os documentários:
"Os militares que disseram NÃO" - sobre os militares cassados, produzido pelo Projeto Marcas da Memória da Comissão de Anistia e dirigido pelo Sílvio Tendler.
"Por uma questão de justiça: os advogados contra a ditadura", sobre os advogados dos presos políticos, produzido pelo Projeto Marcas da Memória da Comissão de Anistia e também dirigido pelo Sílvio Tendler.

Texto: Ulisses Nenê
Edição: Redação Secom (51) 3210.4305

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