Presidente da Fapergs disposto a lutar por mais investimentos no setor
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De volta ao comando da Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio Grande do
Sul (Fapergs), da qual foi diretor-presidente e diretor científico entre 1987 e
1990, o cientista político Abilio Baeta Neves está disposto a lutar pelo aumento
dos investimentos no setor, como condição para que o Estado comece a sair
da crise econômico-financeira que enfrenta. Neste sentido, afirma que a
comunidade científica precisa manter-se mobilizada em torno da agência de
fomento, como ele classifica a entidade que preside desde 14 de maio
passado.
Em entrevista especial, o ex-presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento
de Pessoal de Nível Superior (Capes), orgão federal, explica as dificuldades
que a Fapergs enfrentará frente à política de contenção de gastos do governo
do Estado e a importância da instituição ser transparente para manter os
pesquisadores gaúchos mobilizados.
O senhor foi diretor-presidente e científico entre os anos de 1987 e 1990. Portanto, conhece os trâmites e particularidades que permeiam as atividades da Fundação. O que pretende fazer para que ela volte a liderar a pesquisa científica?
Aumentar a credibilidade junto à comunidade acadêmica e aos parceiros como
uma agência de fomento. Uma agência de fomento só existe se ela fomenta.
Se o faz pouco ou de modo irregular, vai perder credibilidade. A Fapergs tem
se mantido em um patamar de médio para baixo no que diz respeito à
amplitude de investimento. No último governo, tivemos o período mais estável
de financiamento, ainda assim abaixo, comparativamente, a outras entidades
do setor, com as quais o Rio Grande do Sul pode competir. A primeira meta é
criar um círculo virtuoso que torne a Fundação sustentável e com perspectiva
de crescimento. O Estado investe pouco na área em comparação com os
investimentos federais. Por isso, temos baixa capacidade de liderar um
processo, de imprimir objetivos próprios, de induzir a pesquisa na direção do
que é essencial para desenvolver o Estado.
Em 2015, a fusão das áreas de desenvolvimento econômico, ciência e
apoio à micro e pequena empresa formaram a Secretaria de
Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia (Sdect). Qual é o
papel da Fapergs na retomada do crescimento econômico estadual?
Hoje, é absolutamente consensual a necessidade de colocar a pesquisa
científica e tecnológica a serviço do desenvolvimento econômico e social. Isso
se faz por meio da inovação e da transferência efetiva do conhecimento
produzido na pesquisa para o setor produtivo. Nesse contexto, o papel da
Fapergs é o de incentivar a ampliação da comunidade acadêmica ao mesmo
tempo em que mantém a sociedade disposta a produzir pesquisa para os
interesses do Estado. Não significa que ela vá se tornar uma agência de
fomento exclusiva à pesquisa aplicada. Trata-se de saber identificar prioridades
e mobilizar a comunidade científica, com recursos e com liderança, para que a
maior energia seja gasta nas prioridades da população gaúcha.
Em estados que são referência no fomento à ciência e tecnologia, como
São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, o retorno do investimento em
pesquisa é significativo para a economia. Qual a importância do Rio
Grande do Sul concentrar mais recursos no setor?
O retorno é diretamente relevante. É um ponto que não prestamos atenção e
que ainda não estamos convencidos. Vemos ciência como objeto de consumo,
não como compromisso social e da elite política para transformar a pesquisa
em desenvolvimento. A própria economia e a transformação da sociedade
gaúcha só ocorreram nos últimos tempos por conta disso. O setor de
agronegócio, que sustenta o PIB há décadas, teve o desenvolvimento marcado
pela absorção de conhecimento científico e tecnológico, conforme apontam
pesquisas de universidades, da Embrapa e da Fepagro. Ou seja, sem
capacidade de produção e transferência de saber, não teríamos o agronegócio,
nem de longe. Outras áreas também comprovam a importância da relação
economia, sociedade e desenvolvimento científico, como a informática e o
setor metal-mecânico, essencialmente ligados à pesquisa acadêmica. Por
alguma razão esotérica, não absorvemos a realidade de que o
desenvolvimento deriva do sucesso da pesquisa. Mas não colocamos como
prioridade, o que é trágico.
O Estado vive um momento complicado de endividamento em que todos os setores da sociedade precisam mobilizar esforços para a contenção de gastos. Quais as dificuldades que a Fundação enfrentará nos próximos quatro anos?
Vamos enfrentar dificuldades neste ano, mas a partir de 2016, espero uma
perspectiva diferente. Sabemos que 2015 será um ano duríssimo, a contenção
não é apenas estadual, mas também nacional. O Rio Grande do Sul que
sempre se beneficiou de grandes investimentos federais, vai se ressentir. Se o
dinheiro da União diminui, acontece o mesmo aqui. Mais uma razão para que
voltemos a pensar em mecanismos e instrumentos sustentáveis. Precisamos
de criatividade para identificar novas fontes de financiamento e esperamos
conseguir alguma coisa diferente ao longo do ano.
O investimento em ciência e tecnologia é uma alternativa para sairmos
da crise?
Em época de crise, a atividade científica e tecnológica perde para a urgência
do investimento em saúde, educação e segurança. Isso é um equívoco que
nenhuma grande economia moderna faz. Exatamente porque para sairmos da
crise é preciso aumentar os investimentos no setor, não difusamente, mas em
convergência com as necessidades e potencialidades da própria economia.
Ninguém sai da crise hoje sem aumentar a competitividade e a produtividade,
com a geração de conhecimento, tecnologia e inovação, fatores que, por sua
vez, derivam da qualidade dos recursos humanos e da pesquisa desenvolvida
aqui. Andamos para trás quando pensamos que existe um conflito entre investir em ciência ou em saúde. O Rio Grande do Sul apenas avança perifericamente em relação ao ritmo das economias mais fortes do Brasil.
É possível mudar o pensamento preponderante na sociedade gaúcha de
que o investimento científico compromete os recursos para áreas
essenciais?
Se a gente não mudar esse pensamento, nós vamos afundar. Há uma
disposição honesta do atual governo de lidar com esses problemas, com o fato
de que temos um Estado em crise e que precisamos buscar as alternativas
mais consistentes para enfrentar o problema. Se não absorvermos na ordem
das prioridades a questão da ciência e tecnologia, vamos andar para trás.
Como fazer para se aproximar do patamar de potências em ciência e
tecnologia como São Paulo e Rio de Janeiro?
Em primeiro lugar, é preciso ter clareza do que realmente é prioritário e de
como chegaremos lá. Se continuarmos achando que falar em pesquisa é uma
coisa difusa, genérica, sempre teremos dificuldade de vender o discurso como
prioritário. Precisamos entender - como os países desenvolvidos já
entenderam e a melhor experiência brasileira, São Paulo, nos mostra -, que é
fundamental falar de ciência e tecnologia em convergência com os desafios a
serem enfrentados. Segundo, é necessário mobilizar, em rede, os recursos
humanos para construirmos projetos consistentes. Por último, devemos abrir a
fronteira para parcerias internacionais e entrar na dinâmica do financiamento
internacional. Ou seja, a gente tem que sair da zona de conforto e ir à luta.
Texto: Gonçalo Valduga/Fapergs
Edição: Léa Aragón/CCom